Literatura de Leste
A literatura de Leste, rica mas desconhecida pela maior parte dos portugueses, atravessou diversos períodos, sendo bastante marcada pela política e pelas guerras. É com alguma dificuldade que podemos encontrar alguns dados sobre as literaturas da Bulgária, da Ucrânia e da Bielo-Rússia, visto que, atendendo à história e à cultura, os dados encontrados encontram-se na literatura russa. De uma forma geral, todas as literaturas dos povos de leste tiveram a sua origem na religião.
A literatura russa inicia-se em meados do século IX, num período literário denominado de Kiev, uma vez que a primeira grande época da civilização russa se desenvolveu em Kiev. O eslavo-eclesiástico antigo foi usado durante vários séculos como língua literária, para a qual se traduziram textos de carácter religioso ou semi-religioso escritos em grego. Os monges chegaram a dominar estas formas literárias importadas e produziram uma literatura própria, como por exemplo o “Sermão sobre a lei e a graça” (c. 1050), do religioso Hilarion. Uma das obras mais conhecidas deste período é “O Cantar das hostes de Igor” (1185), que aborda uma comovedora epopeia anónima, apelando para a unidade dos eslavos contra os invasores nómadas asiáticos.
No século XV, após a expulsão dos invasores tártaros, Moscovo tornou-se a capital da Rússia. Com este acontecimento inicia-se o período Moscovita, trazendo consigo ideias renascentistas que se reflectem na autobiografia do religioso Avvakum, “A vida do arcebispo Avvakum” (1672-1675).
Segue-se o período Peterburguês que teve origem no reinado do czar Pedro I quando este, em 1713, mudou a capital para São Petersburgo, acabando com o isolamento cultural da Rússia. Com este movimento, os escritores russos receberam influências ocidentais, como o neoclassicismo francês. Um dos principais defensores do Iluminismo foi o cientista e poeta Mikhail Vassilievitsh Lermontov.
É no século XIX que temos a “Idade do Ouro” da literatura russa, com o poeta e prosista
Aleksandr Pushkin (1799-1837) que aderiu, com entusiasmo, ao Romantismo tendendo, nos seus últimos anos, para o nascente Realismo. O romance, o conto e o teatro foram as formas preferidas durante este período. O termo “Realismo” foi constantemente utilizado para descrever estas obras pelos críticos literários radicais que apoiavam programas de reforma social. Assim, o romancista e dramaturgo Nikolai Gogol (1809-1852), primeiro escritor em prosa realmente destacável da literatura russa, sucumbiu ao apelo messiânico em prol da melhoria das condições de vida do seu povo. O romancista e filósofo
Leon Tolstói (1828-1910) esforçou-se para descobrir e propagar verdades essenciais sobre a natureza da existência humana (autor de –“Guerra e
Paz”, “Ana Karenina”, etc.). Em contraste com esta atitude, a obra do grande romancista Fiodor Dostoievski (1821-1881) discorreu pelos terrenos do irracional, explorou as profundidades das experiências mais díspares e encontrou as suas situações dramáticas nos extremos do comportamento humano, como o assassinato, a rebelião e a blasfémia (autor de “Crime e Castigo”, “O Jogador”, etc.).
Outros escritores russos do final do século XIX, como Anton Tchekov (1860-1904), grande dramaturgo e contista (autor das “Três Irmãs”), agruparam-se em movimentos complexos, cujas características foram a recusa dos valores estéticos e a prática literária da época anterior. Este movimento inspirou o ressurgimento, de ideias e atitudes românticas e o aparecimento do Simbolismo, como em toda a Europa Ocidental.
No início do século XX, enquanto os simbolistas insistiam em alterar as propriedades tradicionais do romance, numerosos escritores trabalhavam independentes de qualquer escola ou movimento, dando origem a uma prosa russa enriquecida com obras bastante pessoais, como por exemplo Ivan Bunnin, primeiro vencedor russo do Prémio Nobel (1933). Houve ainda um considerável número de escritores russos que se dedicou à poesia.
Durante o período de relativa calma que se seguiu à fundação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, surgiu uma nova escola de pensamento, segundo a qual a cultura proletária substituiria as formas herdadas do passado. Segundo esta escola, a literatura seria a ferramenta de consciencialização e transformação da sociedade. Os escritores futuristas, encabeçados pelo poeta Vladimir Maiakovski, propuseram uma drástica mudança nas formas, nas imagens literárias e na textura da linguagem. Outro grupo mais conservador preferiu manter-se fiel às tradições clássicas russas.
Uma das vozes poéticas mais individualizadas da época foi
Boris Pasternak (1890-1960), que realizou, através dos seus poemas líricos e narrativos, amplas explorações em torno da percepção.
A narrativa desta época gira em torno da doutrina oficial do Realismo Socialista e caracterizou-se pela grande dificuldade encontrada pelos escritores em descrever a revolução e a guerra civil que a seguiu. Um dos romances mais populares deste período é “Chapaiev” (1932), de Dimitri Furmanov, que oferece a transcrição de acontecimentos pessoais e históricos.
No período imediatamente posterior à guerra temos uma curiosa combinação entre o ardor revolucionário e o afã comercial.
Com a morte de Josef Stalin, em 1953, os escritores começaram a questionar-se sobre a vida na União Soviética.
Boris Pasternak viu a sua obra “Doutor Jivago” (1957) ser proibida até 1987. Foi-lhe concedido o Prémio Nobel de Literatura em 1958, o qual teve de recusar devido às poderosas pressões oficiais a que fora submetido. Podemos assim observar um período de elevadas censuras e repressões para com os escritores, oprimindo uma hipotética liberdade de escrita. Outro escritor russo a salientar é Aleksandr Solzhenitsyn (1913), que ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1970, tendo sindo expulso da URSS em 1974.
Durante o período pós-stanilista, o termo “literatura ilegal” foi usado repetidas vezes. Após o colapso da União Soviética, em 1991, iniciou-se uma nova era na literatura russa, da qual poucos ecos nos chegam.
Bulgária
O búlgaro foi a primeira língua eslava a ter uma literatura escrita nacional. Tal deveu-se ao intenso trabalho de evangelização pela parte dos discípulos dos missionários Cirilo e Metódio, sedeados em Preslav, capital do primeiro império búlgaro. Muitas obras religiosas foram traduzidas para o idioma eslavo ou nele escritas directamente, graças à criação do alfabeto cirílico, baseado no grego. A conquista turca deu origem a uma corrente de exilados, estendendo, assim, a expressão escrita a outros povos eslavos, como os sérvios e os russos.
O renascimento da literatura escrita em búlgaro teve início no século XVIII, começando com a “História dos eslavos búlgaros”, publicada em 1762 por um monge búlgaro do monte Athos, Paissil Hilendarski.
Em meados do século XIX surgem muitas publicações didácticas e de conteúdo nacionalista, bem como de poesia.
No início do século XX formou-se uma nova geração de escritores atraídos pela cultura ocidental, que procuraram romper os rigorosos modelos nacionalistas das gerações anteriores, dos quais se destacam Pentcho Slavekhov, Perio Khavorov e Petko Todorov. A partir da primeira Guerra Mundial, com a diversificação das escolas e a multiplicação dos autores, surge uma ideologia revolucionária, tanto na poesia como na prosa.
É também importante salientar Christo Saprjanov, autor de “Fome de Cão”, uma obra traduzida e à nossa disposição.
Ao contrário do que aconteceu nos outros países do leste europeu, na Bulgária, o advento do Realismo Socialista não foi tão traumático.
Bielo-Rússia e Ucrânia
A literatura da Bielo-Rússia e da Ucrânia seguem uma matriz semelhante à da Rússia. Alguns dos seus escritores aparecem, frequentemente, entre os russos, uma vez que são de língua russa.
As publicações bielorussas tiveram um notável impacto na religião, uma vez que as suas bíblias estiveram entre os primeiros livros a serem impressos na Europa Ocidental.
A Literatura Moderna nasceu no século XIX. Apesar dos escritores bielorussos e ucranianos terem sido sufocados pela ocupação soviética, a sua literatura tem vindo a ganhar importância.Escritores de referência temos Nicolai Gogol e Vladimir Korolenko, nascidos na Ucrânia, e Svetlana Alexeievitch, nascido na Bielo-Rússia.
[Bruno F. Moutinho]